domingo, 28 de fevereiro de 2010

A Morte

Acho que sempre encarei a morte como um ato natural e triste deste processo ‘viver’. Talvez porque eu tenha sido obrigada a entender, desde muito pequena, que a ausência de quem morreu é inesperada – na maioria das vezes – porém definitiva. Entretanto não me tome por insensível, ao contrário, mas as mortes que mais me abalaram não foram as de pessoas familiares, acredito que inconscientemente, eu tinha um pensamento ou sentimento de que, se eu havia aprendido a conviver com a ausência de meu pai desde os meus 5 anos, se eu podia viver sem ele, poderia viver sem qualquer pessoa, por mais próxima que fosse.

Havia tristeza sim, claro, porque a vida que se vai, leva consigo ou um longo caminho com toda sua sabedoria, ou ainda pior, arrasa com todas as possibilidades de uma história ainda não escrita. E as páginas em branco magoam ainda mais.
Mas a morte não me assustava, e ainda hoje não tenho medo de morrer, mas se eu puder desejar como, espero que seja indolor e rápida.

E que cause o mínimo de dor possível aos que ficam, porque isso sim, sempre foi o que mais me abalou nestes momentos. O sofrimento de quem fica – não o meu, embora eu o sinta - mas principalmente daqueles ao meu redor, aqueles que eu amo e que percebo magoados, despedaçados por dentro, sem rumo, com os olhos inertes.

Este sentimento de impotência diante de tal sofrimento, isso sim, me tira o chão. Mas por favor, não me tome por “a boazinha”, ou sentimental ao extremo, porque não foram todas as mortes que presenciei que me causaram tamanha aflição. De todas as despedidas, apenas algumas fizeram-me sentir insignificante, impotente, culpada por não poder extinguir daqueles olhos vermelhos, inchados, aquela dor incurável e extrema. E nestas horas, chorei, envergonhando-me mais ainda, por fraquejar diante daqueles que eu devia proteger, confortar, apoiar.


Foi na primeira vez que tive consciência desta absurda impotência, que passei a temer, não a Morte, mas todo o sofrimento e angústia que ela traz.

Em raras ocasiões, desejei ter o poder de voltar no tempo, e desfazer tudo, trocar de lugar, mudar o curso, e então lembrei das minhas orações e promessas vãs, e briguei com Deus e duvidei de Sua existência. Desejei gritar até o mundo todo desaparecer e acordar daquele pesadelo, para assim ver de novo, aqueles olhos sorrindo, feliz, em paz, sem aquela névoa vermelha e opaca deformando-os. E chorei ainda mais.

Hoje, choro por meu pai e pela ausência da nossa história. Choro por aquela garotinha, que aos berros foi levada pra longe do barulho fúnebre das pás e da terra caindo. E nas despedidas, seja de quem for, esta é a cena que não consigo olhar.

As vezes penso num dia sombrio, quando talvez seja eu a inconsolável – sim, existe uma despedida que temo mais que qualquer outra no mundo, que me fere fundo a simples hipótese e peço ao acaso ou a Deus, que afaste de mim este cálice.

Por favor, deixe-me ir na frente.

Passagem

"Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim passarei.
Inventarei a porta e o caminho.
E passarei sozinho."

(Lêdo Ivo)